sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Ensaios clínicos: quando o resultado é a morte

Primeiro caso português em que família de vítima fatal apresenta queixa contra farmacêutica

Os ensaios clínicos de um medicamento para a artrite reumatóide - Humira (adalimumab) da Abbott – sentaram no banco dos réus um médico do Hospital São João, no Porto, acusado pelo Ministério Público de homicídio por negligência de uma paciente envolvida nos testes. O filho da vítima aponta falhas em Portugal e já denunciou às autoridades pelo menos mais três casos.

Trata-se do primeiro processo do género em Portugal. A família de uma mulher (que morreu em Fevereiro de 2004) apresentou uma queixa em tribunal contra a farmacêutica Abbott, alegando que a doente morreu por ter participado num ensaio clínico, onde estava a ser testado um medicamento daquele laboratório.

De acordo com a informação ventilada pela RTP, durante o processo, a paciente voluntária nos ensaios clínicos ter-se-á sentido mal com o tratamento e, apesar de as análises terem apontado insuficiência renal, o médico decidiu não interromper a experiência clínica do fármaco. A doente acabaria por morrer “vítima de infecção generalizada, falência de vários órgãos e inúmeras hemorragias.”

Segundo noticiou a TVI, aos familiares tinha sido garantido que o medicamento em ensaio era seguro. O certo é que, a empresa farmacêutica foi ilibada pelas autoridades, mas a família não desiste e garante que irá mover um processo para responsabilizar a empresa “por ocultação de informação sobre os riscos do medicamento e por alegada ocultação da morte da mãe às autoridades.”

Entretanto, ao que o farmacia.com.pt conseguiu apurar, para além da denúncia criminal contra a Abbott e contra o médico, a família avançou, também, para tribunal contra o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) e a EMEA (Agência Europeia de Medicamentos).

De referir que, aos familiares foi oferecida pela Abbott uma indemnização até um milhão de dólares -conforme consta da apólice do seguro feito em nome da farmacêutica – que, após a queixa, recusou qualquer acordo.

Indemnização "à america"...

“A Abbott, se pretende indemnizar doentes portugueses, deve, no mínimo, fazê-lo de acordo com os valores ‘standars’ que as farmacêuticas praticam nos Estados Unidos”, argumentou o filho da vítima fatal à RTP, concretizando que “a luta não é pelo dinheiro mas, sobretudo, pelos direitos dos doentes a saberem mais sobre os medicamentos que tomam e os riscos a que estão sujeitos.”

Recorde-se que, a última indemnização decidida por um tribunal norte-americano foi de 250 milhões de dólares, em que foi condenado o laboratório Merck Sharp and Dohme pelo medicamento Vioxx,.

Confrontado com o caso, fonte do Infarmed advogou que o departamento de farmacovigilância foi notificado de “apenas um caso de morte de um utilizador do medicamento Humira (adalimumab).”

Sobre as acções judiciais interpostas pela família da doente, a entidade reguladora nacional argumentou que “a suspensão da comercialização de medicamentos não decorre da alteração dos respectivos folhetos mas de uma avaliação benefício-risco desfavorável”, concretizando que “qualquer decisão está na EMEA.”

Europa: Bula ainda sem “infecções fatais”

Hoje, o fármaco em causa é comercializado na Europa e nos Estados Unidos. O certo é que, a ocorrência de infecções fatais é descrita na bula do Humira (adalimumab) como uma das possíveis reacções adversas graves somente nos EUA. “Em Portugal e na Europa, nem a informação constante no ensaio clínico a que se sujeitou a minha mãe, nem depois aquela que veio a integrar a bula do medicamento, quando ele passou a ser comercializado, referem esse risco”, alertou o queixoso.

Testes: RAM em cada 30 doentes

Em 2006, só no primeiro semestre, foram realizados mais de 200 ensaios clínicos em Portugal, uma prática que movimenta, anualmente, 15 milhões de euros e provoca uma reacção adversa medicamentosa (RAM) grave em cada 30 doentes, segundo o organismo responsável pelo sector - Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC).

Maioritariamente promovidos pela indústria farmacêutica, os ensaios clínicos conduzidos em humanos destinam-se a verificar os efeitos clínicos e farmacológicos de medicamentos experimentais, a fim de apurar a sua segurança e eficácia.

Raquel Pacheco

Fontes: RTP/TVI/Expresso/Infarmed/EMEA/Abbott/CEIC

Sem comentários: