domingo, 29 de julho de 2007

Para tratamento do sarcoma de tecidos moles
Um medicamento no fundo do mar


E do fundo do mar veio finalmente a esperança. Depois de uma primeira tentativa falhada, no final de Junho passado, quando a Agência Europeia de Medicamentos chumbou o primeiro pedido de autorização do Yondelis (trabectedina), o consórcio PharmaMar/Johnson & Johnson obteve o parecer favorável da entidade reguladora espanhola. Designado pela Comissão Europeia e pela norte-americana FDA como medicamento órfão para o tratamento do sarcoma de tecidos moles e do cancro do ovário, o novo fármaco será agora comercializado na Europa pela PharmaMar, nos Estados Unidos pela Ortho Biotech Products, e no resto do mundo pela Janssen-Cilag.

O Yondelis (trabectedina) é um agente antitumoral e destina-se essencialmente ao tratamento do sarcoma de tecidos moles, aqueles que sustêm o organismo. Obtém-se de forma sintética, em laboratório, e representa o culminar de uma investigação de 20 anos no fundo do oceano, que poderá, brevemente, chegar aos doentes que sofrem daquela patologia (cerca de nove mil novos diagnósticos todos os anos em Espanha). A empresa farmacêutica PharmaMar – subsidiária da espanhola Zeltia –, na génese desta novidade, diz não ter dúvidas de que “o mar dará, no decurso deste século, uma excelente colecção de medicamentos”. Extraído do invertebrado ecteinascidia turbinata, o Yondelis é o resultado de uma longa aventura marinha, que teve início no momento em que a pequena PharmaMar ousou ir onde jamais alguma companhia farmacêutica tinha ido, e “mergulhou” a fundo no projecto para o desenvolvimento de novas respostas terapêuticas.
A ousadia dos espanhóis não apanhou de surpresa Helena Gervásio, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, que em declarações ao «Correio da Manhã» explicou que “procurar novas moléculas que têm a sua base e a sua essência em produtos naturais tem sido comum”, havendo “sempre novidades a encontrar neste campo, e que podem dar origem a novos medicamentos”. Ao cabo de longos anos de estudo (a composição química do medicamento foi concluída em 1990), o novo Yondelis está finalmente pronto para entrar no mercado. Na bagagem traz já uma capacidade comprovada para duplicar a esperança média de vida dos doentes do sarcoma de tecidos moles, que, com os tratamentos actuais não vai normalmente além dos sete meses.
Há mesmo casos, entre os pacientes acompanhados no âmbito destas baterias de estudos, que conseguiram ultrapassar os quatro anos de sobrevida àquele cancro, e esse terá sido o argumento de peso a convencer a EMEA a autorizar a introdução do medicamento no mercado farmacêutico europeu. Uma vitória arrancada a ferros pela companhia farmacêutica espanhola, que ainda no mês passado se vira diante da recusa da agência, mas que já motivou o anúncio de que as descobertas não deverão ficar por aqui. Há anos que a pesquisa espanhola no fundo do mar incide também na busca de tratamentos inovadores para outros tumores, como o cancro do ovário, da mama e da próstata.

Percalço
No passado dia 25 de Junho os executivos da PharmaMar saíram de uma reunião com a EMEA muito esperançados na aprovação do novo medicamento, mas essa pretensão viria a ser negada pela agência, que não se deixou convencer, naquela primeira abordagem, pelas qualidades do Yondelis, anunciando que não apoiaria a sua utilização, embora aprazasse uma decisão final para esta altura. Foi “um balde de água fria” para os investigadores, para a companhia e para os muitos pacientes, diante do eventual adiamento do arranque da comercialização do fármaco. Porém, mesmo depois de a EMEA ter dado conta de tamanha hesitação, a documentação que não parecia suficiente teve de ser complementada com nova entrevista, em que a direcção da Zeltia se fez acompanhar de três especialistas em sarcomas da Organização Europeia de Investigação e Tratamento do Cancro. Tinha assim início a mudança nas opiniões dos peritos da EMEA, que não tinha qualquer especialista naquela matéria.
O sarcoma de tecidos moles é um tipo de tumor maligno que pode desenvolver-se nos tecidos adiposos musculares, nervosos, articulares, vasculares e cutâneos. Há pelo menos 80 géneros de sarcomas, mas ainda assim está é uma forma bastante rara de cancro, representando menos de um por cento de todos os novos casos anuais. O tratamento actual consiste em radioterapia e quimioterapia (a que cerca de 60 por cento dos doentes não responde), que podem ser usadas antes de uma cirurgia, para reduzir o tamanho do tumor, ou depois da intervenção cirúrgica, para destruir as células cancerígenas residuais. O Yondelis surge como opção para uma faixa de aproximadamente 30 por cento dos doentes, detendo, segundo os estudos já realizados, a progressão do tumor.

Carla Teixeira
Fonte: El Mundo, Correio da Manhã, PharmaMar

1 comentário:

Carla Teixeira disse...

Bom dia! Tenho consciência de que está um pouco extenso, mas era muito difícil resumir tanta e tão importante informação em menos do de seis parágrafos. Peço a melhor compreensão para esta pequena falha no meu poder de síntese...