terça-feira, 7 de agosto de 2007

REPORTAGEM

Distúrbios mentais constituem um problema de saúde pública
Prescrição de psicofármacos em crescendo


Ansiedade, depressão e perturbações do sono são os diagnósticos mais frequentes nos casos de prescrição de psicofármacos na medicina geral e familiar. Um estudo realizado pelo Observatório de Saúde do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge na Rede Médicos-Sentinela em Março deste ano concluiu que o medicamento mais receitado pelos clínicos é o alprazolam, e nos casos depressivos a fluoxetina. São problemas com incidência crescente em todo o mundo.

A esmagadora maioria dos distúrbios mentais exige a instituição de terapêuticas à base de psicofármacos, mas, e apesar da crescente importância do uso daqueles medicamentos, continua a ser muito pouca a informação disponível sobre eles em Portugal. O estudo «Prescrição de psicofármacos em medicina geral e familiar», do Observatório de Saúde de INSA, teve como objectivo aferir o padrão de utilização daquele tipo de produtos, analisando aquela problemática no âmbito da Rede Médicos-Sentinela, um grupo de médicos de família que participa voluntariamente em programas anuais de notificação contínua de doenças e situações relacionadas com a saúde, bem como em projectos de investigação clínica e epidemiológica. A recolha dos dados que estiveram na base deste estudo – a que o farmacia.com.pt teve acesso – foi realizada durante o primeiro trimestre de 2004.
Assinado por Isabel Marinho Falcão (chefe do Serviço de Medicina Geral e Familiar do Observatório), Ana Monsanto (assistente graduada de Clínica Geral no Centro de Saúde de Ourique), Baltazar Nunes (estatista do ONSA/INSA), Josefina Marau (chefe do Serviço de Medicina Geral e Familiar do Centro de Saúde de Sintra), e José Marinho Falcão (chefe do Serviço de Saúde Pública e assessor do ONSA do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge), refere que “o aumento da incidência de doenças mentais, afectando qualquer indivíduo em qualquer parte do mundo, é um problema de saúde pública com dimensão crescente e uma enorme carga social e económica, que preocupa governos, autoridades e técnicos de saúde”, sendo hoje “facilmente aceite que o envelhecimento das populações aumenta, por si só, o risco de ocorrência de doenças mentais, como Alzheimer, Parkinson e outras”.
O estudo tipifica ainda a depressão grave como uma das causas mais importantes de incapacidade em todo o mundo, e atesta que “uma em cada quatro pessoas será afectada por um distúrbio mental ao longo da vida, e que raras são as famílias poupadas a um encontro com transtornos mentais”. São problemas que, em regra, demandam terapêuticas centradas na administração de psicofármacos, substâncias psicoactivas que quando tomadas podem alterar o estado de consciência, o humor e os processos cognitivos dos indivíduos. Nos últimos 10 anos houve um aumento significativo do consumo de psicofármacos na Europa, e no final da última década Portugal encontrava-se em terceiro lugar daquele «ranking» europeu, precedido apenas pela Irlanda e pela Bélgica.
No que respeita especificamente aos antidepressivos, um relatório do IMS Health de 2002 colocava aquela classe de medicamentos como a terceira mais prescrita a nível mundial, com um aumento de 18 por cento só no decurso do ano 2000, e que representava uma quota de 4,2 por cento do mercado farmacêutico a nível global. Alguns estudos norte-americanos sugerem que, “apesar da elevada prevalência da depressão em todo o mundo, os médicos de família falham no diagnóstico de 30 a 50 por cento dos doentes com epidódios depressivos major”. Em Portugal os dados sobre este assunto são escassos, de acordo com os especialistas, mas é apontada uma incidência anual de síndroma depressivo de 6,2/103 nos indivíduos com mais de 15 anos.

Números

O estudo «Prescrição de psicofármacos em medicina geral e familiar» aferiu que na área dos psicofármacos antipsicóticos, o zyprexa (olanzepina) foi em 2002 o quarto que mais contribuiu para os encargos do Serviço Nacional de Saúde. Em 2005 as benzodiazepinas (que integram o subgrupo dos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos) apresentavam um dos maiores níveis de utilização a nível europeu, que entre 2000 e 2004 aumentou 3,9 por cento no mercado total de medicamentos em Portugal. A taxa de utilização daqueles fármacos em Portugal foi considerada preocupante pelo International Narcoting Board no seu relatório de 2004.
Àquela conclusão não terá sido alheio o aumento de 26 pontos percentuais no uso de psicofármacos daquele grupo terapêutico entre 1995 e 2001, segundo informa o estudo «Evolução do consumo de benzodiazepinas em Portugal de 1995 a 2001», apresentado pelo Observatório do Medicamento e dos Produtos de Saúde no ano seguinte. Entre 2000 e 2004 verificou-se uma subida de 3,9 por cento na utilização daquele tipo de psicofármacos em Portugal, e desde 2002 parece ter-se desenhado uma tendência de estabilização do nível de utilização de benzodiazepinas.
No período analisado neste estudo (Janeiro a Março de 2004), os diagnósticos de ansiedade, depressão e perturbações do sono motivaram a maior parte do volume de prescrições de psicofármacos, com 2556, 1675 e 1348 respectivamente, por 105 utentes. O medicamente prescrito a um maior número de utentes foi o alprazolam (1095/105 utentes), e entre os antidepressivos foi a fluoxetina (332/105 utentes). A mesma pesquisa refere que mais de 95 por cento dos utentes a quem foi feito um diagnóstico exclusivo de perturbações do sono ou de ansiedade, ou um diagnóstico paralelo de ansiedade e perturbações de sono foram tratados com psicofármacos do grupo dos psicolépticos.

Carla Teixeira
Fonte: Estudo «Prescrição de psicofármacos em medicina geral e familiar»

2 comentários:

ptcp disse...

A reportagem está excelente, muito bem escrito, como sempre. O tema é muito relevante e a informação de boa validade. Devido a um contratempo técnico só vamos poder publicar o artigo no final da semana.

As nossas desculpas. Continuação de um excelente trabalho.

Carla Teixeira disse...

Obrigada! Quanto ao problema técnico, é mesmo assim: contra factos não há argumentos. Resta aguardar, e desejar que o problema seja resolvido rapidamente.