terça-feira, 4 de setembro de 2007

Tratamento da dor oncológica: Médicos evitam opióides

A utilização de analgésicos opióides pode estar a ser negligenciada em situações em que poderia beneficiar o tratamento de alguns doentes oncológicos. O problema, que está a preocupar os especialistas em Espanha, ocorre devido ao facto de muitos doentes com cancro não serem tratados por especialistas do ramo, que optam maioritariamente pela administração de medicamentos menos invasivos.

De acordo com a presidente da Fundação Internacional da Dor, María Isabel Eraso, “50 por cento dos pacientes com cancro em estado inicial não recebe o tratamento para a dor através de um médico da especialidade”. Esta situação pode pôr em risco a eficácia do tratamento, afirma a responsável, lamentando o facto dos “não especialistas preferirem prescrever medicamentos mais suaves”.

Citado pelo “Correo Farmacéutico”, Alfredo Carrato, presidente da Sociedade Espanhola de Oncologia Médica (SEOM), considera que os opióides são “os fármacos mais eficazes na luta contra a dor”. Esta é uma opinião que vai ao encontro da de José María Muñoz, chefe da unidade de dor do Hospital de la Paz, em Madrid, para quem estes fármacos são “fundamentais” no alívio da dor. Ainda assim, não são devidamente administrados, especialmente nos cuidados primários.

As razões apontadas pelos especialistas são de diversas ordens. Se nalguns casos a culpa é atribuída ao desconhecimento dos profissionais de cuidados de saúde, há situações em que reinam as crenças erradas relacionadas com a possível toxicidade dos referidos medicamentos, a sua capacidade para causar dependência ou a utilização para fins ilegais. Porém, a burocracia que envolve a utilização destas substâncias é consensualmente o principal motivo mencionado pelo conjunto de especialistas inquiridos pela publicação espanhola.

Conforme explica Eraso, o processo de prescrição de opiáceos ou morfina no país vizinho envolve várias etapas, sendo necessárias receitas especiais, obtidas através de um colégio de médicos e mediante a apresentação do cartão do doente. Durante a consulta, é preciso indicar rigorosamente o paciente ao qual se administram, a quantidade, o motivo, a data e devolver essas informações ao colégio de médicos. Embora estes motivos possam parecer insuficientes para evitar a prescrição destas substâncias, a verdade é que se tornam incómodos para os profissionais não especializados que não estão habituados a lidar com este tipo de receituário.

Por outro lado, a desconfiança de alguns pacientes face a estas substâncias é também um dos motivos que leva à escassa utilização das mesmas. Os doentes, alimentados por “mitos e presunções erróneas”, acreditam que o uso destas substâncias os tornará dependentes para toda a vida, acrescenta Antonio Matas, responsável pelo departamento de publicações do Cadime. O limite e a determinação da dose correcta são definidos através do equilíbrio entre a eficácia e a segurança, “se conseguirmos esse equilíbrio, as doses elevadas não têm que ser motivo de preocupação”, defende José María Muñoz.

O caso português

Em Portugal, o técnico de saúde tem-se “tornado involuntariamente num dos primeiros obstáculos ou barreiras ao tratamento da dor oncológica”, principalmente devido à falta de formação, refere um documento do primeiro P.A.I.N. (Pain Associates International Network) workshop realizado em território nacional, em 2004, sob o tema “Barreiras ao adequado tratamento da Dor Oncológica em Portugal”. No entanto, este não é o maior problema, que reside no facto do tratamento da dor “não constituir prioridade e standard de cuidados”, uma vez que “a legislação inadequada tem contribuído para a falta de acessibilidade”, encarregando-se de “manter o ciclo”, sublinha o mesmo documento.

O relatório aponta cinco grupos de barreiras que se colocam tanto por parte do doente como do profissional de saúde: mitos (dor, doença, tratamento, fármacos), falta de acessibilidade (aos prestadores e à medicação), falta de formação profissional (pré e pós-graduada) e falta de informação (doente e comunidade), défice de comunicação (entre as estruturas, entre os profissionais, com os doentes) e constrangimentos estruturais (escassez de recursos humanos, económicos e outros).

A esta situação acresce o facto de, na maioria dos países comunitários os medicamentos para a doença crónica, onde se inclui a doença e a dor oncológica serem comparticipados a 100 por cento pelo Estado (incluem-se os analgésicos opióides), “enquanto que em Portugal, e à luz da legislação vigente, o doente de ambulatório tem que suportar um encargo financeiro de pelo menos 45 por cento, da sua medicação antiálgica”.

Marta Bilro

Fonte: Correo Farmacêutico, P.A.I.N. 1 PORTUGAL: Dor oncológica, Fundação Günenthal.

1 comentário:

Rui Borges disse...

Uma vez mais um artigo Excelente. Num tema que tem estado em destaque nesta semana, este artigo é a "cereja no topo do bolo".