quinta-feira, 8 de novembro de 2007

ENTREVISTA

Carvalho Guerra, primeiro bastonário dos farmacêuticos
“Liberalização não vai resolver problemas”


Nasceu há 75 anos no seio de uma família monárquica e salazarista. Queria seguir Matemática, mas o pai e uma adolescência marcada pela asma e pela tuberculose mudaram-lhe o destino. Catedrático em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi o primeiro bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. No momento conturbado que o sector atravessa falou ao farmacia.com.pt do novo regime jurídico, para dar conta de alguma “preocupação” face ao futuro. É Francisco Carvalho Guerra…

Foi durante muitos anos presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica, porventura a sua faceta mais conhecida, desempenhou cargos na NATO, na OCDE e na UNESCO, participou na campanha de François Mitterrand e viajou muito pelo mundo. Diz que Mário Soares é uma das grandes referências nacionais, e nas últimas eleições para a Ordem dos Farmacêuticos apoiou incondicionalmente Irene Silveira, que acabaria por ser eleita bastonária, em Junho deste ano. Numa curta conversa com o farmacia.com.pt, que serviu também para recordar o tempo em que liderou os destinos da classe, Francisco Carvalho Guerra reconheceu estar “preocupado” com o facto de “a maioria dos economistas encarar a liberalização da propriedade das farmácias como uma solução para todos os problemas”.
Na sua opinião a realidade deverá ser algo diferente, até porque “a prática ensina-nos que quando as coisas funcionam não devemos mexer-lhes”, e não há, segundo afirma, nenhum sector em Portugal que funcione tão bem como as farmácias. Para atestar o que diz recorda que “toda a profissão está em rede informática, tornando possível, em tempo real, a qualquer farmacêutico no país, saber onde é que dado medicamento está esgotado, quantos foram vendidos… Se o Governo acha que os farmacêuticos ganham muito dinheiro, então controle o preço dos medicamentos. O resto no novo regime jurídico parece-me muito adequado, mas que a liberalização da propriedade das farmácias constitua um melhor serviço para os cidadãos, tenho as minhas dúvidas”.
A título de exemplo, ironizando com o facto de o entrevistado passar a ser também entrevistador, questionou o farmacia.com.pt sobre as eventuais consequências de, um destes dias, e diante das novas regras de funcionamento da propriedade das farmácias, uma multinacional do sector resolver comprar mil farmácias em Portugal. Sem esperar pela resposta, disparou de imediato a sua convicção: “A concentração do mercado, com este regime jurídico, é uma possibilidade real, e tenho dúvidas de que a qualidade do serviço prestado aos doentes seja a mesma se o farmacêutico, em vez de ser o dono do estabelecimento, for o empregado”.
Numa outra linha de pensamento, lembrou que, ao contrário dos médicos, que se concentram essencialmente nas regiões do Litoral, “os farmacêuticos estão em todo o país”. Carvalho Guerra argumenta, por isso, que “o papel daqueles profissionais poderia ser muito importante nas zonas em que o médico não está acessível”, preconizando, designadamente, que aqueles especialistas pudessem “trabalhar com as câmaras municipais em muitas áreas de apoio aos cidadãos”. Admite que “muitos não quereriam fazer esse trabalho, porque ninguém lhes pagaria por isso, mas tenho muitos alunos que, creio, aceitariam fazer esse tipo de acompanhamento das populações de forma gratuita”.

Carla Teixeira
Fonte: Entrevista pessoal a Carvalho Guerra

2 comentários:

Rui Borges disse...

EXCELENTE INICIATIVA!!

Carla Teixeira disse...

Obrigada. Andava atrás dele desde o artigo sobre o Dia Nacional do Farmacêutico, em que infelizmente não pude contar com o contributo dele, mas finalmente hoje pudemos conciliar agendas. É uma pessoa fascinante.