sábado, 21 de julho de 2007

REPORTAGEM

Peritos defendem adequação dos cuidados às necessidades
Novas soluções para os doentes renais


O desenvolvimento de tratamentos alternativos à hemodiálise (como a diálise peritonial) – que reúnam condições de segurança e de custo/efectividade – e a individualização da imunossupressão em transplantados renais são duas das mais recentes propostas de especialistas do sector para a melhoria da qualidade dos cuidados àqueles doentes. Procura-se agir numa área de grande diversidade e complexidade, defendendo os interesses dos portadores de doenças crónicas debilitantes.

A portuguesa Entidade Reguladora da Saúde deu há dias um primeiro passo na defesa dos interesses dos insuficientes renais, ao tornar públicos os resultados de um estudo que encomendou ao Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Faculdade de Economia da Universidade Católica Portuguesa, e que atestam a existência de vários problemas na assistência aos doentes renais em Portugal. Um primeiro aspecto negativo do actual panorama nacional naquela área tem a ver, de acordo com o estudo – a que o farmacia.com.pt teve acesso –, com o facto de “o preço fixado para reembolso das clínicas de hemodiálise pelos serviços que prestaram ao Serviço Nacional de Saúde não tem acompanhado a evolução dos custos empresariais”.
Também a possibilidade de financiamento dos tratamentos de hemodiálise por preço compreensivo, bem como a circunstância de ser o Estado a assumir o pagamento das despesas com o transporte dos doentes para os tratamentos, sem que estes possam influir nas escolhas feitas, foram questões analisadas no estudo da Católica para a ERS, que lamentou igualmente “não existir, no actual cenário de organização dos cuidados aos insuficientes renais, incentivos para o desenvolvimento de formas de tratamento alternativas à hemodiálise”, como a diálise peritonial, que poderiam abrir caminho a importantes benefícios para os pacientes, além de “fomentar ou reforçar a concorrência no mercado, por via do alargamento dos serviços substitutos”.
Com base na análise dos dados compilados e tratados pelos autores do estudo, o conselho directivo da Entidade Reguladora da Saúde, com sede no Porto, emitiu há poucos dias um parecer em que faz algumas recomendações, que entretanto foram remetidas ao Governo, através do envio ao ministro da Saúde. Baseando-se mais na componente logística do acompanhamento dos doentes do que na parte terapêutica, a ERS recomenda, no caso de vir a ser adoptado o sistema de financiamento por preço compreensivo, a inclusão de um ponto de salvaguarde a remuneração do serviço de transporte dos doentes, cuja competência passaria a ser da entidade prestadora de serviços de hemodiálise.
Enquanto não for colocado em prática aquele princípio, a entidade preconiza a revisão da actual afectação dos utentes por centros de saúde, de modo a “aferir a racionalidade das práticas correntes de referenciação, na óptica da defesa dos interesses” dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, e salienta que “deverá ser promovido o desenvolvimento de tratamentos alternativos à hemodiálise, como a diálise peritonial”. Álvaro Almeida, presidente do conselho directivo da Entidade Reguladora da Saúde, esclareceu, numa circular entretanto enviada aos órgãos de Comunicação Social, que as recomendações da ERS já foram remetidas ao Ministério da Saúde, aguardando agora que, tão brevemente quanto possível, as medidas escalonadas possam ser postas em prática.

Transplantados
No caso dos doentes insuficientes renais em estado mais avançado, que tiveram já a necessidade de se submeter a um transplante, os problemas não são menos, nem as soluções mais fáceis, apesar de terem sido importantes e consideráveis os avanços sentidos nos últimos anos, designadamente no que toca à terapia imunossupressora utilizada no transplante de órgãos. O brasileiro Roberto Ceratti Manfro, professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e funcionário do Serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, naquele país, refere que o “arsenal de medicamentos e agentes biológicos” recentemente surgidos “veio proporcionar a possibilidade de terapias imunossupressoras mais adaptadas às características de determinados grupos de doentes, ou mesmo às necessidades individuais de cada um deles”.
Ao protocolo clássico com prednisona e azatioprina acrescentou-se, no início dos anos 80, a ciclosporina, e posteriormente diversas outras substâncias entretanto incorporadas na prática clínica: o tacrolimus, os micofenolatos (mofetil e sódico) e as rapamicinas (sirolimus e everolimus). Também os agentes biológicos, entre os quais a globulina anti-timocitária, foram aprimorados, com recurso à tecnologia de produção de anticorpos monoclonais anti-CD3 (OKT3), alemtuzumab e anti-receptores da interleucina-2 (basiliximab e daclizumab). Adicionalmente, com o Belatacept inaugurou-se a era do uso clínico das proteínas de fusão, através do bloqueio dos sinais co-estimulatórios.
Seguindo as premissas básicas da individualização da imunossupressão – os doentes não são todos iguais no que toca aos riscos de desenvolver rejeição ou de perder enxertos; apresentam também diferenças quanto à susceptibilidade à ocorrência de efeitos colaterais dos fármacos imunossupressores; as terapias imunosupressoras podem influenciar negativamente co-morbidades significativas, que quando presentes podem alterar o desfecho dos casos clínicos – vislumbra-se, de acordo com o especialista brasileiro, duas conclusões principais: a de que a terapia com imunossupressão pode ser mais potente no início e ir diminuindo ao longo do tempo (estratégia mais comum e adequada sobretudo aos pacientes com maior risco de rejeição), e a alternativa inversa, isto é, iniciar o tratamento de uma forma menos intensa e aumentar a sua potência quando necessário ou em casos de rejeição aguda.

Carla Teixeira
Fonte: Entidade Reguladora da Saúde, Med Online