sábado, 14 de julho de 2007

REPORTAGEM

Mifepristona, metotrexato e prostaglandina
Fármacos abortivos só nos hospitais

Estimativas internacionais apontam a probabilidade de 43 por cento das mulheres de todo o mundo virem a fazer um aborto antes dos 45 anos de idade, e prevêem igualmente que 47 por cento das que efectivamente abortem não estarão a fazê-lo pela primeira vez. Em Portugal entra amanhã em vigor a lei que, na sequência da consulta popular feita em referendo, viabiliza, em moldes legais, a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. O aborto cirúrgico e o medicamentoso são as duas hipóteses oferecidas às mulheres lusitanas. Os fármacos utilizados na segunda opção estão disponíveis apenas nos hospitais.

O aborto provocado poderá ser descrito como a morte prematura e medicamente induzida de um embrião ou feto dentro do ventre materno. Há vários métodos que concorrem para esse desfecho, desde os chamados “micro-abortos”, ocorridos na primeira semana, por acção de algumas substâncias químicas (contraceptivos) e alguns aparelhos intra-uterinos. Nas semanas seguintes, quando o ovo do zigoto já se instalou no útero, existem os abortos não-clínicos induzidos com fármacos como o RU-486 (mifepristona), administrada entre as cinco e as sete semanas de gestação, e o metotrexato, administrado em mulheres grávidas entre as cinco e as nove semanas, em combinação com a prostaglandina.
A mifepristona – medicamento inicialmente concebido para responder ao quadro sintomático de indisposição gástrica – é hoje utilizado sobretudo com o objectivo de induzir o aborto. Administrado por via oral quando a mulher se apercebe da ausência do período menstrual e constata que poderá estar grávida, e pode ser tomado até ao segundo mês de gravidez. Actua bloqueando a progesterona, uma hormona com papel crucial no desenvolvimento de uma gravidez, sem a qual o revestimento uterino não fornece alimento, fluidos e oxigénio ao feto, que naquele cenário acaba por não conseguir sobreviver. Numa segunda etapa deste método abortivo, a mulher ingere a prostaglandina, que estimulará a contracção do útero, para que o feto seja expelido.

Mifepristona
A RU-486 regista sucesso em 60 a 80 por cento das tentativas de aborto, e tem como efeitos secundários comuns náuseas, vómitos, cãimbras, dores, abortos incompletos, ruptura uterina e hemorragias, às vezes tão intensas que tornam necessário o recurso a transfusões de sangue. Em França, por exemplo, todas as clínicas que realizam interrupções voluntárias da gravidez são obrigadas por lei a ter equipamento adequado para a realização de electrocardiogramas, bem como material intra-venoso e desfibrilhador para responder à eventualidade de ataques cardíacos nas mulheres intervencionadas, em consequência da toma daqueles medicamentos. Procedimento que normalmente não se encontra disponível nos hospitais dos países em desenvolvimento, levando a que as hemorragias agudas e os ataques cardíacos sejam, nesse contexto, causa provável de morte.
Ao contrário da ideia de senso comum de que o aborto medicamentoso consiste apenas na toma de comprimidos, e que em poucos minutos resolverá a questão, devolvendo a mulher ao seu quotidiano, a administração da mifepristona obriga normalmente a um processo que dura alguns dias. Na primeira consulta é feita a análise do historial clínico da grávida, um exame físico e análises ao sangue, já que nos casos em que a mulher sofra de anemia, hipertensão, problemas renais, asma ou infecções vaginais, se fumar ou tiver mais de 35 anos, este método não poderá ser utilizado. É depois determinado o tempo de gestação, e a mulher assina o termo de responsabilidade para a realização do aborto, tendo em alguns países de esperar uns dias até à sua consumação.
A segunda consulta é aquela em que normalmente tem lugar a administração da mifepristona, e na terceira é utilizada a prostaglandina, que induz o trabalho de parto e a expulsão do feto, quase sempre no mesmo dia. A quarta consulta é de controlo da situação, sendo que, se a mulher ainda não tiver abortado ou ainda sangrar, terá de realizar uma ecografia para determinar se o útero está vazio e, em caso negativo, submeter-se a um método abortivo invasivo.

Metotrexato
Tal como a mifepristona, o metotrexato não surgiu com o objectivo de facilitar um aborto. Toxina celular que tem sido usada no combate às células cancerígenas, é um antagonista do ácido fólico que interfere na síntese do ADN, e que mata o feto quando o seu coração já bate. Tem um tempo de acção muito semelhante ao da mifepristona, mas actua de modo diverso: enquanto a RU-486 provoca a morte do feto por fome, este medicamento funciona como um veneno, que tem acção directa no feto em desenvolvimento, matando-o. A dose administrada é suficiente para matar o bebé, mas não para causar lesões à mãe, ainda que a sua ingestão possa causar estomatites e úlceras na cavidade bucal.
Tal como a mifepristona, o metotrexato só produz o efeito desejado se combinado com a prostaglandina, tomada uns dias depois da injecção do primeiro fármaco, a fim de provocar a expulsão do feto, pressupondo a realização de três consultas para completar o procedimento. Um estudo internacional realizado para examinar os resultados da administração dos fármacos abortivos a adolescentes apurou que em 96 por cento dos casos os abortos tinham sido bem sucedidos, apesar de algumas mulheres terem relatado episódios de dor e sangramento acima do que inicialmente esperavam, havendo inclusivamente algumas que se arrependeram de ter recorrido a este método.

Só nos hospitais
Em Portugal a lei do aborto, que entra amanhã em vigor, obrigou à importação da mifepristona, que não era de uso legal no nosso país. Tal como o farmacia.com.pt oportunamente noticiou, o Infarmed autorizou a comercialização da mifepristona, também conhecida como “pílula abortiva”, que poderá ser adquirida directamente pelos hospitais à MediRex Pharma, a única empresa nacional que foi autorizada por aquela entidade a introduzir o produto no mercado farmacêutico nacional. De acordo com um comunicado da autoridade nacional do medicamento emitido na altura, e de que o Portal da Farmácia e do Medicamento deu conta, a MediRex Pharma recebeu, a título excepcional, autorização para "comercializar, exclusivamente em meio hospitalar" a substância abortiva.
Fonte interna do Infarmed esclareceu que 25 hospitais portugueses tinham já diligenciado no sentido de adquirir aquele fármaco no estrangeiro, procedimento habitual para a sua obtenção antes da autorização excepcional, enquanto outras duas dezenas de unidades hospitalares já o fizeram no âmbito destas novas regras, dotando-se dos necessários meios para dar resposta às mulheres que, a partir de amanhã, procurem os seus serviços.

Carla Teixeira
Fonte: Alguns médicos do Hospital de São João, Infarmed, tudosobreoaborto.com