terça-feira, 26 de junho de 2007

REPORTAGEM

Indústria farmacêutica privilegia males comuns em países ricos
Doenças negligenciadas sem tratamento


As chamadas doenças negligenciadas, como a doença de Chagas, a leishmaniose, a doença do sono e a malária, afectam milhares de pessoas em todo o mundo, mas colhem um interesse marginal junto da indústria farmacêutica, cuja investigação se concentra essencialmente no desenvolvimento de fármacos para as doenças mais comuns nos países do primeiro mundo. A DNDi nasceu precisamente para vencer essa tendência, trabalhando na pesquisa de medicamentos novos e acessíveis às pessoas afectadas por estas patologias.

O combate às doenças globais como cancro, doenças cardiovasculares, mentais e neurológicas, mais comuns nos países desenvolvidos onde se concentra a grande fatia do tecido industrial ligado à investigação farmacêutica e ao desenvolvimento de medicamentos, monopolizam a atenção dos especialistas, enquanto há outras patologias, convencionalmente designadas como doenças negligenciadas, em que o interesse das empresas é pouco significativo, para não dizer quase nulo. É o que acontece com a doença de Chagas, a leishmaniose, a doença do sono e a malária, cujos afectados são quase sempre pessoas pobres e de países do terceiro mundo – os dos países ricos representam uma franja muito pequena, que contrai malária em viagens ou na sequência de outros problemas de saúde, como a tuberculose –, que normalmente não têm poder de compra que justifique, aos olhos das empresas farmacêuticas, a estimulação daquele mercado.
A doença de Chagas e a leishmaniose, por outro lado, afectam somente países em desenvolvimento, onde a esmagadora maioria da população não dispõe de meios para a compra de fármacos, pelo que acaba por ficar de fora da zona de cobertura do mercado farmacêutico e dos interesses da investigação naquela área. Na figura, o rectângulo acinzentado representa a parcela do mercado farmacêutico mundial relativa aos produtos voltados para especificidades que não são eminentemente do foro médico, como a celulite, a calvície, as rugas, as dietas, o stress e as questões de adaptação a diferentes fusos horários, mas que, apesar disso, constituem um segmento de mercado altamente lucrativo nos países ricos.
Na sua intervenção no terreno, remonta a 1971 a percepção, por parte das equipas da organização internacional de ajuda humanitária Médicos Sem Fronteiras, de que a investigação de medicamentos para as doenças tropicais evolui a um ritmo muito inferior à dos outros sectores, pelo que, nos países em vias de desenvolvimento, já nessa altura era evidente uma discrepância que resultava numa premente falta de tratamentos eficazes, acessíveis e adaptados às necessidades das populações que eram injusta e impiedosamente afectadas pelas doenças negligenciadas. Os MSF, antevendo a estagnação daquele tipo de pesquisas – nos últimos 25 anos apenas um por cento do total de medicamentos desenvolvidos à escala mundial pretendeu tratar as chamadas doenças tropicais –, e percebendo que os médicos têm hoje de seguir terapias antigas, cada vez mais ineficazes devido à resistência crescente às soluções farmacológicas de há 40 anos, tomaram uma atitude.

Nobel à investigação
Galardoada com o Prémio Nobel da Paz, a organização humanitária decidiu usar a quantia recebida no estudo das necessidades médicas dos pacientes que sofriam de doenças negligenciadas, tendo para isso reunido uma equipa de especialistas internacionais, que de imediato se debruçaram sobre aquela problemática. O Grupo de Trabalho de Medicamentos para Doenças Negligenciadas, como foi designado, concentrou-se na identificação da crise no tratamento daqueles doentes e na busca de estratégias inovadoras para garantir o desenvolvimento de novos medicamentos que lhes fossem úteis, e em 2001, no culminar desse esforço, propôs a criação de uma entidade independente e sem fins lucrativos destinada a desenvolver novos fármacos ou formulações de medicamentos existentes para pacientes de doenças negligenciadas.
Era assim lançado o embrião da DNDi, sigla em inglês para Drugs for Neglected Diseases initiative (Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas), que viria a ser oficialmente implantada no dia 3 de Julho de 2003, com sede na Suíça e intervenção a nível planetário, preenchendo as lacunas existentes na investigação e no desenvolvimento de novos produtos farmacológicos. Contando com parcerias com entidades como os Médicos sem Fronteiras, a brasileira Fundação Oswaldo Cruz, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica, o Ministério da Saúde da Malásia, o Instituto de Pesquisa Médica do Quénia, o Pasteur de França e o Banco Mundial, a DNDi coordena a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos em colaboração com a comunidade científica internacional e com a indústria farmacêutica.

Carla Teixeira
Fonte: DNDi, Organização Mundial de Saúde

1 comentário:

Rui Borges disse...

Excelente Carla. Muito bom.