sexta-feira, 15 de junho de 2007

Pilula do Dia Seguinte já conquistou as portuguesas


Milagrosa ou abortiva, a Contracepção Oral de emergência entrou no mercado nacional há sete anos e desde então, as vendas não param de subir.

Apesar das divergências entre os especialistas, geralmente motivadas pela forma como a pílula do dia seguinte evita o desenvolvimento de uma gravidez, se ela é ou não abortiva, o facto é que este parece ser um modo de contracepção cada vez mais usual. Só nos primeiros dois meses de 2007 foram vendidas 42561 unidades.

A pílula do dia seguinte, como é vulgarmente designada a contracepção oral de emergência (COE), é composta por doses elevadas de progestagénio - levonorgestrel - isolado ou associado a estrogénio - etinilestradiol. A sua toma deve acontecer em casos de emergência, quando os restantes métodos contraceptivos falharam e existe a possibilidade real de gravidez. Nestes casos e quando tomada num máximo de 72 horas após o acto sexual desprotegido, a contracepção oral de emergência tem uma eficácia na ordem dos 80%.

Mas o êxito das vendas podem traduzir uma realidade perigosa, estarão as mulheres portuguesas a utilizar a pílula do dia seguinte, como forma de contracepção regular?

De facto, os especialistas têm pedido estudos no sentido de perceber, de que forma está a ser utilizada a contracepção oral de emergência.

Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Ginecologia, Martinez de Oliveira, os números da contracepção de emergência podem ser lidos de duas formas. "Uma, a que se pretende, que está a evitar o risco de gravidez. A outra, é que esta fórmula começa a ser olhada como uma situação mais confortável do que a contracepção regular".

De acordo com um estudo apresentado na 22ª Conferência Internacional de Farmacoepidemiologia, que decorreu no Centro de Congressos de Lisboa, no verão do ano passado, 79,6 por cento das consumidoras da pílula do dia seguinte usam contracepção regular, sendo que 31 por cento elegem a contracepção hormonal oral (pílula) como o seu método anticoncepcional.

No entanto, a toma regular deste medicamento é cada vez mais uma realidade. Graça Conceição, coordenadora do Gabinete de Apoio à Sexualidade Juvenil, que funciona nas instalações do Instituto Português da Juventude (IPJ), de Aveiro, admite a existência de casos de jovens que “já tomaram três e quatro vezes”.

Para o presidente do Colégio de Especialidade de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos, Luís Mendes Graça, esta realidade traça o “retrato de um país de pessoas mal educadas para a saúde. Muitas raparigas persistem numa incultura completa sobre a pílula, com diversos anátemas, logo não a utilizam. Por outro lado, surge esta receita milagrosa e acham que não têm que se preocupar".

Os riscos do uso regular

Falta de informação, uma educação sexual deficiente ou simplesmente a falta de consciência, são vários os motivos apontados para o uso recorrente a esta pílula. Mas o facto é que o uso continuado deste medicamento, pode acarretar riscos para a saúde, uma vez que uma toma da pílula do dia seguinte equivale ao consumo de 15 comprimidos de uma pílula convencional, tendo em conta a ingestão da substância activa levonorgestrel.

O seu uso repetido e continuado aumenta a possibilidade de se manifestarem efeitos secundários, como “o risco de pressão arterial, risco embólico ou descompensação de diabetes, que são raros, mas, quando acontecem, são muito graves”, alerta Luís Mendes Graça.

Quando tomada ocasionalmente, o que se verifica é a toma de uma dose de estrogénio pontual, não levantando riscos directos para a mulher. Contudo, os especialistas continuam a alertar para o carácter de emergência deste medicamento, que não dispensa o uso do preservativo, pois só este consegue prevenir as doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV/Sida.

Nas farmácias, também existe uma preocupação em informar os utentes sobre a correcta utilização da pílula de emergência, desincentivando a sua toma recorrente. Mário Pereira, farmacêutico, afirma que, “já apareceu uma ou outra pessoa que tenta pedir a pílula para uma segunda utilização ou comprar mais uma caixa para ficar de reserva e, nesse caso, o utente é fortemente desincentivado de o fazer. Às vezes também nos pedem erradamente a venda de uma pílula do dia seguinte, antes até eventualmente de ter havido relações, como método preventivo e temos de explicar que aquilo não se destina a prevenir, mas sim a remediar”.

Como se toma a pílula do dia seguinte?

Quem procura este medicamento raramente tem dúvidas, a esmagadora maioria toma de acordo com as indicações do folheto informativo.
A pílula o dia seguinte deve ser tomada até 72 horas após uma relação sexual não protegida, quando a mulher se encontrar no seu período fértil, entre o 12º e o 16º dia após o início do período menstrual, impedindo a nidação do óvulo nas paredes no útero.

No entanto, a actuação da pílula do dia seguinte varia consoante a altura do ciclo menstrual em que é tomada, podendo impedir ou atrasar a ovulação, impedir a fecundação/fertilização (o encontro do óvulo com o espermatozoide) ou pode impedir a implantação dum ovulo na parede do útero (nidação).

Se a nidação já tiver acontecido, num período superior a 72 horas, a contracepção emergência não produz um efeito anticonceptivo, não tendo qualquer efeito sob uma gravidez já implantada.

Questões Éticas

A pílula do dia seguinte interfere na ovulação, na fecundação e no revestimento interno do útero (endométrio), criando um ambiente impróprio para a implantação do óvulo fecundado, não produzindo deste modo um efeito abortivo. Esta é a visão da comunidade cientifica, que definiu o inicio de uma gravidez a partir do momento que se dá a nidação.

Contudo, diversos especialistas discordam deste ponto de vista, acreditando que uma gravidez tem inicio com a fecundação do óvulo, dai que considerem a impossibilidade de nidação, um efeito abortivo.

Os fármacos utilizados na contracepção de emergência podem ser divididos em dois grupos: os que têm principalmente uma acção anovulatória, e aqueles em que prevalece o efeito antiimplantatório. Os estrogéneos actuam fundamentalmente inibindo a ovulação, e os progestagéneos inibindo a ovulação e a implantação. É precisamente esta acção antiimplantatória que é posta em causa, pois a fecundação do óvulo já aconteceu e de acordo com este ponto de vista, a acção da pílula será abortiva.

A realidade portuguesa em números

A pílula do dia seguinte entrou no mercado português em 2000, mas só no ano seguinte seria aprovada a sua comercialização livre de receita médica.

Nos primeiros cinco anos de comercialização, as vendas triplicaram e só no ano passado foram vendidas quase 240 mil pílulas do dia seguinte, tendo o Algarve e os Açores registado o maior número de embalagens vendidas. As mulheres que mais procuraram este método de emergência situam-se na faixa etária dos 18 aos 22 anos.

Actualmente, encontram-se à venda no mercado nacional três marcas de contracepção oral de emergência, sendo apenas uma sujeita a receita médica, cujo preço, segundo o site do Infarmed, se situa nos 3,53 euros. As restantes, variam entre os nove e os 11 euros.

Inicialmente a COE era apenas vendida em farmácias, mas desde Novembro de 2005 passou a estar também disponível em postos de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica.

Esta pílula é ainda distribuída gratuitamente nos Centros de Atendimento a Jovens e nos Centros de Saúde ou hospitais, obedecendo ao direito ao planeamento familiar, garantido na Lei n.º 3/84 e inscrito na Constituição da República Portuguesa.

Inês de Matos

Fontes: Médicos de Portugal, Juventude.gov.pt, Jornal de Noticias, oaveiro.pt
Imagens: Jornal de Noticias, oaveiro.pt

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