quarta-feira, 20 de junho de 2007

REPORTAGEM

Transgénicos usados na produção de medicamentos
Biofármacos: vanguarda e contestação

Medicamentos de carne e osso ou com caule e folhas constituem uma extrapolação ainda muito fantasiosa do que a biotecnologia já permite em termos da produção de fármacos. Ou talvez não! O «pharming», neologismo que resulta do cruzamento de vocábulos como «farming» (cultivo de plantas e criação de animais) e «pharmacy» (farmácia), é já uma realidade em todo o mundo e a Europa concentra um terço das instituições que se dedicam a essa actividade.


A utilização de plantas e de animais transgénicos no fabrico de medicamentos é um facto inquestionável – e nada consensual – na actualidade, sendo a insulina o mais conhecido dos fármacos assim produzidos. Segundo especialistas da associação ambientalista Greenpeace, o uso de medicamentos, enzimas, reagentes e produtos fabricados a partir de microorganismos transgénicos em ambientes confinados (em laboratórios ou fábricas, sem contacto com o meio ambiente ou com pessoas), “não representa um perigo”, na medida em que “o consumidor recebe uma substância química purificada e analisada, que também não teve contacto com os seres vivos transgénicos”. Muito diferente, alertam os ambientalistas, é a ideia de usar plantas alimentícias no fabrico de medicamentos ao ar livre, situação em que os alimentos geneticamente modificados poderão “contaminar as plantações convencionais e chegar ao prato de milhares de pessoas”, que estarão a ser medicadas sem saber, para males de que nem sofrem.
Esta é a base principal da contestação que a Greenpeace e outras associações de protecção do ambiente e da saúde pública de todo o mundo fazem aos biofármacos que, no entanto, tem conquistado inúmeros adeptos à escala global, que atestam a elevada rentabilidade do «pharming». Se pensarmos que 20 cabras são suficientes para assegurar a produção da quantidade de medicamento que permitirá combater um tipo de cancro em toda a América do Sul, a actividade que muitos contestam vai ganhando contornos mais positivos. Um estudo divulgado em Abril pelo JRC – Joint Research Center (centro comum de investigação da Comissão Europeia) aferiu que o sector da biotecnologia tem hoje grande impacto sobre os principais sectores das economias europeias.
O «Bio4EU», o maior estudo alguma vez realizado a nível europeu sobre o impacto socio-económico da biotecnologia, produziu números que falam por si, e que dizem que as ciências da vida e a biotecnologia se tornaram centrais em grande parte das economias da União Europeia, estimando-se que a biotecnologia moderna produza praticamente dois por cento do PIB dos 27 estados-membros, sendo comparável às áreas industriais de maior importância no continente. O relatório europeu, a que o farmácia.com.pt teve acesso, demonstra que a indústria biotecnológica europeia dá hoje emprego directo a cerca de 97 mil pessoas, «atirando» para um número muito superior o volume de empregos indirectamente ligados ao sector. Por outro lado, o número de biofármacos existentes no mercado mais do que duplicou nas últimas décadas, com o número de empresas biofarmacêuticas a sofrer um impulso ainda mais evidente, de 37 unidades em 1996 para 143 em 2005.
O «pharming» pressupõe um enorme avanço do ponto de vista tecnológico, contra os esquemas de fabricação de vacinas extremamente primitivos que ainda se usam no sector: “A vacina para a gripe, por exemplo, era ainda há pouco tempo fabricada dentro de ovos de galinha, que tinham de ser rodados manualmente diversas vezes por dia. Quando alguns desses ovos eram infectados com salmonelas, tinha de se deitar fora toda a produção. Resultado? Nesse ano pura e simplesmente não havia imunização contra a gripe”, explicou Juan Enríquez Cabot, presidente da consultora em biotecnologia Biotechonomy, com sede em Boston (Estados Unidos), e também fundador do projecto de Ciências da Vida da Escola de Negócios de Harvard.

Carla Teixeira
Fonte: El Pais, Greenpeace, APBio
Foto: Cabras usadas na produção de biofármacos («El Pais»)