Escolha aleatória ou efeito placebo?

Aspirina, Ben-u-ron, Brufen ou Aspegic são alguns exemplos de nomes comerciais de medicamentos com que todos os cidadãos estão mais ou menos familiarizados. São fáceis de dizer e de memorizar, e normalmente “circulam” nas conversas entre amigos sempre que surge um daqueles episódios de pedidos de aconselhamento e de automedicação, tão comuns em Portugal. Há, porém, muitos outros fármacos de designação simplesmente impronunciável para a maioria dos cidadãos, que muitas vezes de questionam sobre as razões de tal escolha por parte dos laboratórios que desenvolvem e que comercializam o produto.
A curiosidade “contagiou” uma equipa de investigadores de Portugal e Espanha, e esteve na base de um estudo, cujos resultados foram publicados recentemente na «Revista Portuguesa de Clínica Geral», e a que o farmacia.com.pt teve acesso. A investigação atesta que a escolha da designação comercial a atribuir aos fármacos “não é inocente”, pautando-se em regra por uma estratégia que passa, em grande parte das vezes, por conceber um nome que desperte algum tipo de sugestão junto do doente ou do profissional de saúde, ou por passar uma mensagem informativa de carácter mais assertivo.
Os especialistas – do Departamento de Farmacologia, Terapêutica e Toxicologia da Universidade Autónoma de Barcelona, da firma de consultoria científica KeyPoint e do Serviço de Pediatria do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) – foram ao âmago do assunto, questionando-se sobre as intenções que presidem à escolha dos nomes dos medicamentos, tentando perceber se essa escolha ocorre de modo aleatório ou se, pelo contrário, tem um efeito placebo, chegando ao consumidor e ao profissional de saúde de forma discreta, mas funcional. A partir da consulta da listagem de medicamentos registados no Índice Nacional Terapêutico, a equipa de investigadores analisou mais de 1300 nomes comerciais de fármacos pertencentes a 12 grupos terapêuticos.
Desse processo analítico concluíram que 26 por cento dos compostos disponíveis no mercado farmacêutico nacional obtiveram a sua designação comercial segundo o nome químico da substância activa preponderante na sua composição. Em igual percentagem de casos, o nome escolhido teve por base as indicações terapêuticas ou a acção do fármaco, estando em quatro por cento dos casos associado ao seu nome químico, e em um por cento dos casos ao nome do laboratório fabricante. O tipo de nome varia consoante o grupo terapêutico, mas em 40 por cento dos casos é considerado um “nome opaco”. Os especialistas concluíram que “uma elevada percentagem de fármacos apresenta nomes comerciais que evocam algum tipo de sugestão, quer seja directa ao consumidor, quer mais dirigida aos profissionais de saúde, ou ainda a um tipo de informação mais assertiva”.
O nome certo...
A equipa de cientistas ibéricos considera que a escolha do “nome certo” para cada medicamento é importante, na medida em que será por essa designação que será referenciado, num processo que contribuirá para a imagem individual do fármaco, mas também para a imagem corporativa da companhia que o representa, podendo ter, por si só, algum impacto no volume de vendas, condicionar os mecanismos da sua divulgação ou a captação da prescrição médica, sobretudo em áreas onde haja várias alternativas terapêuticas. “A escolha de um bom nome não é fácil”, frisam os cientistas.
Por outro lado, o conhecimento da forma como tem lugar a escolha da designação comercial dos medicamentos ajuda a perceber melhor as indicações terapêuticas contidas no folheto incluso e na rotulagem exterior. Cada fármaco tem pelo menos três designações: um primeiro nome químico, que descreve a estrutura atómica ou molecular da substância, descrevendo com precisão o produto, mas normalmente demasiado complexo, e por isso inconveniente para uso geral, um nome genérico, que não é registado e que tem geralmente uma associação directa com o princípio activo, e um nome comercial, registado: a chamada marca.
Carla Teixeira
Fonte: «Revista Portuguesa de Clínica Geral», estudo «Nome dos fármacos: escolha aleatória ou efeito placebo?», Manual Merck