quarta-feira, 13 de junho de 2007

Ritalina: um fenómeno geracional?

O metilfenidato, nome químico da Ritalina, tem sido o fármaco de eleição nos últimos 40 anos para tratar crianças que sofrem de Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA).


O medicamento começou por ser prescrito a pessoas adultas com patologias depressivas, fadiga crónica e narcolepsia. No inicio dos anos 60, a utilização desta substância passou a ser recomendada em crianças hiperactivas, principalmente por aumentar o tempo que estas se conseguem concentrar numa mesma actividade.

Por volta de 1980, registou-se uma escalada na prescrição deste fármaco a crianças. O mesmo se verificou no Canadá durante os anos 90 o que resultou num aumento de prescrições de cerca de 500 por cento relativamente à década anterior.

Os pediatras começaram a reparar nesta prescrição galopante do metilfenidato e no ano 2000 alertaram que o medicamento só deveria ser recomendado em circunstâncias limite, e mesmo nesses casos, apenas durante o tempo estritamente necessário.

Cerca de 75 por cento das prescrições mundiais de Ritalina destinam-se a crianças, quatro vezes mais a rapazes do que a raparigas.

De acordo com Adriana Campos, psicóloga especializada na área de Consulta Psicológica de Jovens e Adultos e em Psicopatologia do Desenvolvimento, o grande aumento no consumo destas substâncias verificou-se em 2004, quando a venda destes medicamentos deixou de pertencer ao domínio das farmácias de certos hospitais e passou a fazer-se em qualquer farmácia.

Os estudos realizados sobre o assunto descrevem a PHDA como uma perturbação do desenvolvimento infantil com base neurobiológica. Esta patologia verifica-se quando os lobos frontais, responsáveis por funções executivas, tais como a atenção, a capacidade de antecipar situações e organizar tarefas, apresentam certas alterações. “Estas alterações estão associadas ao facto de a dopamina, que é um neurotransmissor, apresentar níveis inferiores aos normais, o que dificulta a comunicação entre as células”, esclarece Adriana Campos.

O que se pretende com a administração de Ritalina é o aumento dos níveis de dopamina e consequentemente, a obtenção de progressos no grau de funcionalidade dos lobos frontais. Esta melhoria resulta no aumento da atenção e na diminuição da impulsividade e hiperactividade em doentes com PHDA.

Os dados divulgados pelo Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn) indicam que esta patologia atinge cerca de 5 por cento da população escolar e é mais frequente em rapazes. Nas raparigas o diagnóstico é mais difícil, uma vez que a dificuldade de concentração “torna-as 'sonhadoras', 'cabeças no ar', sem o aumento da actividade que incomoda professores e família. Nas aulas tornam-se invisíveis”.

A psicóloga Adriana Campos acredita que actualmente não se verifica um aumento no aparecimento de casos de PHDA, já que esta é uma perturbação com uma componente biológica. “O que aumentou foi a capacidade de diagnóstico desta patologia”, refere.

Para além disso, a grande quantidade de informação que tem sido divulgada acerca deste assunto “conduz a um maior conhecimento e sensibilidade por parte das pessoas em geral e dos técnicos em particular para a sua identificação”, considera a responsável. Ainda assim, Adriana Campos sublinha que é preciso perceber que o excesso de informação poderá gerar falsos diagnósticos. Nesse sentido, a especialista salienta que “só é possível efectuar um diagnóstico preciso quando vários sintomas persistirem por mais de seis meses, em diferentes contextos: familiar, escolar e extra-escolar”.

A edição de Maio da Revista Pais&Filhos refere dados do jornal americano Health Afairs que indicam que a prescrição de medicamentos para tratar a PHDA aumentou, em todo o mundo, 274 por cento, entre 1993 e 2003. “Em Portugal, calcula-se que entre seis e oito mil crianças e adolescentes estejam a tomar este tipo de medicação (números de 2006, com base nas vendas). Em 2004, estimava-se que três mil crianças tomassem medicamentos para PHDA, enquanto que em 2003 eram apenas 400", pode ler-se na mesma publicação.

Marta Bilro

Fonte: educare.pt, globeandmail.com, Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil.

Sem comentários: