quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Laboratórios oferecem automóveis para incentivar prescrições

Países em vias de desenvolvimento são os novos alvos da indústria farmacêutica

As ligações entre os médicos e a indústria farmacêutica não são uma novidade no contexto ocidental. Porém, os laboratórios multinacionais estão agora a redireccionar a sua mira, colocando o alvo nos profissionais dos países em vias de desenvolvimento. De acordo com um estudo divulgado esta quarta-feira, jantares luxuosos, aparelhos de ar condicionado, computadores portáteis ou entradas iniciais para a aquisição de automóveis estão entre as principais ofertas feitas aos clínicos, incentivos de peso para levar os médicos a prescrever determinados medicamentos.

O estudo, elaborado pela Consumers International (CI), revela que a auto-regulação das multinacionais farmacêuticas falhou e cita anúncios publicitários de empresas como a GlaxoSmithKline, a Wyeth, a Novartis e a Pfizer que em território europeu seriam considerados enganadores.

Para além disso, há ainda as grandes promoções para médicos fomentadas por todas estas empresas, acrescenta o documento, salientando que o impacto provocado nos pacientes é sério. “Mais de 50 por cento dos medicamentos nos países em vias de desenvolvimento são prescritos, dispensados ou vendidos inapropriadamente”, refere o relatório, citado pelo jornal britânico “The Guardian”.

As oferendas feitas pelas empresas farmacêuticas aos clínicos incluem aparelhos de ar condicionado, computadores portáteis, quotas de sociedade de clubes, electrodomésticos, conferências no estrangeiro com estadia em hotéis de cinco estrelas ou carros novos, indica o estudo. Segundo afirmou Murad M Khan, professor e director do departamento de psiquiatria na Universidade Aga Khan, em declarações aos investigadores, no Paquistão “ por cada 200 prescrições do medicamento mais caro da empresa, o médico é recompensado com o pagamento da entrada para um carro novo”.

A “The Network”, uma organização paquistanesa membro da CI, sondou alguns médicos, delegados de propaganda médica e funcionários do sector naquele país. Segundo afirmou um clínico cujo nome não foi divulgado, “a oferta de aparelhos de ar condicionado, máquinas de lavar, microondas, câmaras, televisões e cristais onerosos são uma norma aceite nos dias de hoje”. O mesmo acontece com a dádiva de participações em encontros de medicina e palestras em hotéis de cinco estrelas, seguidos de jantares e cocktails luxuosos, acrescentou a mesma fonte. Relatos semelhantes a este surgem da Venezuela, Indonésia e Malásia.

Richard Lloyd, director geral da CI, uma federação de grupos de consumidores de 113 países sedeada em Londres, fez um apelo para que sejam banidas todo o tipo de oferendas a médicos. “A indústria farmacêutica encara o mundo em desenvolvimento como uma oportunidade bilionária para assegurar os lucros durante os próximos 40 anos. A fraca regulamentação faz com que estes mercados sejam alvos fáceis para as técnicas de marketing de empresas de medicamentos multinacionais, porém, os gastos com a saúde dos consumidores nestes países não podem dispersar-se na utilização irracional de fármacos”.

O relatório deixa ainda críticas à publicidade a medicamentos nos países desenvolvidos, salientando que, por vezes, promove um medicamento sem mencionar os efeitos secundários ou as restrições inerentes à sua utilização.

De acordo com o “The Guardian”, as autoridades reguladoras dos países em vias de desenvolvimento tardam a proteger os utentes dos medicamentos que foram retirados nos mercados de outros países. O Vioxx (rofecoxib) foi oficialmente retirado na Índia em Outubro de 2004, um mês depois da Merck recolher o produto do mercado norte-americano, porém continuou à venda no país durante o ano seguinte.

A Federação Internacional das Associações da Indústria Farmacêutica (IFPMA) afirmou que é necessário tempo para que o seu código deontológico seja adoptado em todos os países. “Penso que não é algo que possa alcançar-se da noite para o dia”, disse o porta-voz da IFPMA, Guy Willis. Primeiro é preciso determinar “como chegar lá”, concluiu.

Marta Bilro

Fonte: The Guardiam, Pharmalot, Apifarma.

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