sábado, 18 de agosto de 2007

REPORTAGEM

Vinte por cento dos doentes não respondem ao tratamento
Genética usada no combate à depressão


“A única maneira de saber se um medicamento vai funcionar é perscrevê-lo”. Quem o diz é Júlio Licini, chefe do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Miami e assessor no norte-americano NIH para a área da Genética, que define a emissão de uma receita como um processo de “tentativa e erro”. No caso dos doentes com depressão, contudo, o erro soma vantagens. É que 20 por cento dos pacientes não respondem ao primeiro tratamento, e depois desse fracasso muitos desistem, por causa dos efeitos secundários. A Genética entra agora no receituário da terapia, e visa diminuir o tempo de avaliação da medicação, numa doença que pode matar...

Segundo avança a edição deste mês da revista científica «Galileu», poderá estar iminente uma mudança de cenário no funcionamento do tratamento da depressão, em que actualmente se fica pelos 60 por cento a probabilidade de o médico acertar à primeira na terapia mais adequada para o doente. Os especialistas frisam mesmo que 20 por cento dos doentes não respondem ao primeiro medicamento indicado, e normalmente só depois de três a quatro semanas em que estão sujeitos a inúmeros efeitos adversos – boca seca, insónia e taquicardia, entre outros – percebem que a terapia prescrita falhou. O impulso é, em muitos casos, largar o tratamento, fazendo com que um episódio agudo de depressão se torne uma doença crónica.
Tal como o farmacia.com.pt noticiou na edição do passado dia 9, tendo por base os dados de um estudo publicado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, a ansiedade, a depressão e as perturbações do sono são os diagnósticos que mais têm motivado a prescrição de psicofármacos na medicina geral e familiar no nosso país, cuja tendência tem sido crescente e muitas vezes, como o Portal da Farmácia e do Medicamento também já deu conta, inadequada. Uma posição secundada por especialistas norte-americanos numa investigação recente, que dá conta de que o recurso à psicoterapia como único meio de tratamento das pessoas com depressão clínica pode não dar resultado, mas, pior do que isso, pode piorar o quadro clínico do paciente, uma vez que o cérebro deprimido poderá sofrer de uma falha na conexão entre neurónios.
Nos episódios de tristeza profunda que não seja motivada por problemas físicos ou acontecimentos do quotidiano, e dos quais o doente não consegue recuperar sem o apoio especializado, os neurónios podem impedir melhorias, segundo atestam dados de um estudo levado a cabo por uma equipa de investigadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, publicada há dias no prestigiado «Journal of Neuroscience». A chamada “depressão maior”, que tem uma motivação difícil de apurar à partida, por não ter a ver com eventos recentes ou conhecidos na vida dos pacientes, poderá ser causada, segundo os especialistas, por uma falha no cérebro que impede a conexão entre neurónios, inviabilizando o “pensamento positivo”, cuja acção é muitas vezes preponderante, em pessoas saudáveis, para estádios mais ou menos passageiros de tristeza.

Bioquímica da depressão
Os transtornos do estado de ânimo do doente depressivo poderão ter relação com uma eventual redução do ritmo de transmissão dos impulsos ou sinais nervosos na área cerebral que regula o humor. Várias teorias actuais apontam para a existência de causas biológicas para a depressão, focalizando-se na possibilidade de haver uma falha na neurotransmissão. O cérebro dos indivíduos que se encontram numa fase depressiva da doença bipolar ou de uma depressão crónica ou profunda pode apresentar pequenas quebras na utilização dos neurotransmissores monoaminas (noradrenalina e dopamina) e da serotonina (5-HT), embora na depressão unipolar profunda não haja, na maioria das vezes, qualquer alteração, e na forma moderada da depressão unipolar elas sejam inexistentes ou pouco significativas.
Os fármacos eficazes no tratamento da depressão agem aumentando os níveis de alguns daqueles neurotransmissores: a dopamina, a adrenalina e a serotonina são importantes na produição do efeito de satisfação. No entanto, no ano passado uma equipa internacional de investigadores descobriu uma substância endógena que se crê possa estar directamente associada ao evento da depressão: níveis reduzidos de p11, proteína que modula a actividade das células cerebrais à serotonina, foram encontrados em pessoas deprimidas e em ratos a que tinham sido artificialmente induzidas depressões. A descoberta, publicada na revista «Science», constituiu na altura um importante avanço no tratamento da depressão e das alterações do sono.

Em Portugal
Condição médica que afecta 20 por cento da população portuguesa, a depressão é hoje a principal causa de incapacidade e a segunda mais importante razão para a perda de anos de vida saudável, num «ranking» dos 107 problemas de saúde mais relevantes no nosso país. Com custos pessoais e sociais muito elevados, que em muitos casos chegam ao limite do suicídio – a depressão está associada à perda de 850 mil vidas por ano em todo o mundo, cerca de 1200 só no nosso país –, trata-se de uma doença que afecta uma em cada quatro pessoas no mundo, que já sofreu, sofre ou virá a sofrer dos seus sintomas ao longo da vida. No caso português, um em cada cinco utentes dos cuidados de saúde primários encontra-se deprimido no momento da consulta.
Os médicos portugueses baseiam-se sobretudo na sintomatologia emocional para diagnosticar e tratar a depressão, que é reconhecida no Plano Nacional de Saúde 2000/2010 como “um problema primordial de saúde pública”. Um estudo recente no nosso país demonstrou que 22,8 por cento dos doentes tratados em Portugal sofre de depressão, e que 80,5 por cento desse universo apresenta um diagnóstico pré-existente, enquanto 19,5 por cento representam novos casos. Em grande parte dos casos (43,5 por cento), a depressão prevalece entre os 30 e os 50 anos. No âmbito de uma investigação em que 69 por cento dos participantes era do sexo feminino, 73,1 por cento dessas mulheres sofria de depressão com ansiedade, e uma franja de 55,7 por cento desenvolvia sintomas físicos da doença.
Em 74,2 por cento dos doentes acompanhados no estudo a depressão apresentou-se nas formas ligeira a moderada, e 60 por cento dos pacientes tiveram pelo menos uma recaída. Os médicos reconhecem, em 58,4 por cento dos casos, que utilizam os sintomas físicos como meio para aferir o diagnóstico, mas apenas 10 por cento mencionam a existência de dores, mas é a tristeza (76,4 por cento) que prevalece como sintoma mais recorrente da doença depressiva. A comunidade médica está, no entanto, convencida de que o tratamento dos sintomas emocionais culminará no tratamento dos sintomas físicos, segundo declararam 83,2 por cento dos clínicos. A convicção de que os doentes conseguirão atingir a remissão se os sintomas forem tratados foi expressa por 74,9 por cento dos médicos auscultados neste estudo.

Carla Teixeira
Fonte: Revista Galileu, Portal da Saúde, European Alliance Against Depression, Wikipedia, G1