quinta-feira, 26 de julho de 2007

REPORTAGEM

Apreensão de toneladas de fármacos na China relança questão
O fenómeno dos medicamentos contrafeitos


As recentes apreensões de mais de uma tonelada de medicamentos falsificados na província chinesa de Cantão e no âmbito de uma operação de combate à venda de produtos contrafeitos pela internet, consumadas em acções conjuntas da Interpol e dos dos governos de Pequim e Washington, relançaram para a ordem do dia e para as páginas dos jornais o fenómeno da contrafacção, parcela de um problema mais vasto: a produção de fármacos que não cumprem as especificações mínimas de qualidade, tornando-se por isso inúteis ou mesmo perigosos.

Entre os milhares de fármacos apreendidos em Cantão avultavam as pastilhas de Viagra, enquanto numa operação anterior as três autoridades policiais detectaram, também na China, a existência de comprimidos de Tamiflu. São dois dos produtos farmacêuticos mais procurados actualmente à escala mundial – o primeiro visando fazer face ao problema da impotência sexual masculina, o segundo para prevenir os efeitos de uma eventual pandemia de gripe das aves –, quase dois anos depois de a polícia chinesa, em cooperação com a sua congénere americana e a Interpol, ter desmantelado uma rede criminosa que fabricava medicamentos falsos, e dias depois de ter sido executado no país um antigo responsável governamental pela área farmacológica, acusado de corrupção e de concessões ilegais a empresas chinesas.
Na história recente da China não são raros os exemplos de problemas deste tipo. Em 2004 pelo menos 13 bebés morreram na sequência de terem ingerido leite em pó falsificado, e em 2006 várias pessoas morreram por terem tomado um fármaco que continha dietilenglicol, um anticongelante utilizado como fluido dos travões, que chegou também ao Panamá, onde matou mais de uma centena de utilizadores da mesma substância. De acordo com o que o farmacia.com.pt conseguiu apurar junto de fonte do sector farmacêutico com representação em Portugal, o fenómeno dos medicamentos contrafeitos está já profundamente enraizado em todo o mundo, e é responsável por grandes problemas à escala global.
Em causa estão não só os fármacos que, pura e simplesmente, não têm qualquer efeito sobre as doenças para que alegadamente são indicados, mas também certos produtos que são fabricados abaixo dos standards estabelecidos para a indústria farmacêutica, e que por esse motivo se tornam não apenas inúteis, por não terem mais do que um efeito placebo, ineficaz no combate às doenças, mas também, não raras vezes, perigosos para quem os consome. Os medicamentos contrafeitos são fraudulenta e deliberadamente «desrotulados» no que diz respeito à fonte de onde são provenientes, e podem consistir em fármacos com ingredientes correctos, mas com falsas embalagens, com os componentes errados ou mesmo sem princípios activos. O fenómeno abrange medicamentos genéricos e de marca.

Saúde pública
O advento das farmácias online veio permitir que actualmente qualquer pessoa em qualquer parte do mundo possa adquirir mais facilmente os medicamentos de que precisa, mas antes disso já o contrabando e a venda ilegal possibilitava a aquisição deste tipo de produtos. No entanto, essa compra nem sempre ocorre dentro dos parâmetros mais adequados às necessidades do doente, e as reticências por parte das empresas farmacêuticas, dos consumidores e dos agentes reguladores do sector à venda online são muitas. O uso regular de fármacos contrafeitos pode desencadear episódios graves de falha terapêutica ou de resistência ao efeito dos medicamentos, e nos casos mais graves provocar a morte.
Foi exactamente o que aconteceu em 1995 na Nigéria – onde actualmente corre o julgamento de um caso similar, que opõe o governo local à multinacional Pfizer – , quando, durante uma crise epidémica de meningite, mais de 50 mil pessoas foram inoculadas com vacinas falsificadas. Mais de 2500 pessoas morreram. No mesmo ano, no Haiti, 89 crianças morreram, e três anos depois outras 30 na Índia, depois de terem sido tratadas com um xarope para a tosse à base de paracetamol, que na versão falsificada continha, uma vez mais, o anticongelante dietilenglicol. Em 1999, no Camboja, pelo menos 30 pessoas morreram depois de tomarem medicamentos contrafeitos para a malária, enquanto no ano seguinte, no sudoeste asiático, um estudo revelou que 38 por cento dos 104 medicamentos usados no tratamento da malária vendidos nas farmácias não continham qualquer ingrediente activo.
Em 2004 um fármaco falsificado deixou um rasto de morte na Argentina. Uma mulher de 22 anos que sofria de anemia viu piorar o seu estado de saúde. O fígado entrou em colapso e a paciente acabou por morrer, depois de ter sido tratada com injecções de ferro que, segundo apuraram as autoridades sanitárias locais, teriam sido contaminadas com um contrafeito altamente tóxico, cuja proveniência não foi possível de identificar, visto que os documentos que acompanhavam o fármaco eram igualmente falsos. No ano seguinte outra mulher da mesma idade, grávida, foi injectada com um medicamento contrafeito. Sobreviveu, mas deu à luz um bebé de 26 semanas. Apesar destes casos, a Argentina continua a não considerar crime a venda deste tipo de produtos. A Organização Mundial de Saúde adverte, porém, para os elevados riscos da administração de substâncias cuja proveniência não é devidamente referida nas embalagens, asseverando que a contrafacção de medicamentos desencadeia um gravíssimo problema de saúde pública em todo o mundo.

Carla Teixeira
Fonte: Organização Mundial de Saúde, Agência Efe

1 comentário:

ptcp disse...

Excelente trabalho Carla!